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sobre digitar e andar | crônica

Ela estava aflita quando veio falar comigo hoje. Com certeza isso despertou de alguma forma alguma ansiedade que eu não entendia. Ela decidiu se acalmar antes de dizer qual era o problema. 


Tomou um copo de água e começou a dizer palavras aleatórias que aos poucos se desenvolveram em uma estranha poesia. Não era grande coisa era o que ela repetia.

 

Parece que faz parte do corpo, e os gestos se tornaram automáticos. É uma linguagem corporal preocupante 


Sem entender, decidi não perguntar nada. Eu sabia que de alguma forma chegaria o momento de juntas as peças. Ajustei as almofadas nas minhas costas e me preparei.


Ela começou a dizer coisas como o fato de todos andarem olhando pra baixo, nem notarem onde caminhavam.


Digitam e andam. 


Não importa o que tem pela frente, ou quem esta ao seu lado. Não importa. 


Pensei na hora em falar sobre aquele papo de que os vínculos estão cada vez mais fracos pois se constituem por tecnologia e não pessoalmente, mas achei meio clichê tocar nesse assunto, afinal, o que são palavras diante de ações?


A ignorância e fixação incomodavam muito ela, parece que antes de chegar até mim, ela estava no metrô e um saxofonista entrou e tocou algumas músicas, ela gostou bastante e na esperança de ver mais pessoas felizes, só encontrou rostos colados na tela. 


O vagão inteiro, no caso. 


E as pessoas que esperavam para entrar no vagão 

E as pessoas subindo as escadas

As que estavam esperando

Todas. 


É preocupante as pessoas criarem avisos para que as pessoas não andem digitando. Virou tudo automático né? 


Eu concordei. Era tudo automático mesmo, até eu me encaixava nessas situações. Sem nem saber estou me isolando. 


Um silêncio tomou conta do espaço - talvez porque ela estava caindo mais na real sobre o como as pessoas realmente estão imersas e isoladas nesses mundos. 


Ligar e desligar.

Carregar.

Conversar.

Se entreter, flertar, conhecer. 

Todos os dias. 


Parece um pouco com nossa vida né? Talvez as pessoas estejam se transformando em seus aparelhos. Ela conversou comigo mais sobre não gostar disso, e o quanto queria que as pessoas tivessem noção do que fazem, diminuindo a intensidade desses isolamentos. 

Parece que é medo de viver. Parece que é impedir contato. Parece que é um vício sem cura. Só que não parece nada, e só é mesmo. 


Sugeri que ela não se envolvesse no ponto de fazer mal, mas que sempre que sentir essa aflição, fazer algo. 


Sorria pra alguém, peça desculpas por esbarrar, dance sua música preferida. Se você não estiver envolvido neste vício, basta. E se alguém notar este outro mundo, pode querer pertencer ou até admirar. 


Vale muito a pena ser fiel aos nossos sentimentos e angustias, Elas nunca erram, pois só você sabe a dor que pode te causar a falta de empatia e contato do mundo. Então, isso é grande coisa sim, e tudo bem ser. 


Silêncio. Alívio. 

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